ARTIGO:
HUMILDADE, GENEROSIDADE E COERÊNCIA
Marcos Fabrício Lopes da Silva*
“Quanto mais conhecemos,/percebemos a distância e a complexidade do saber,/é como se o que aprendemos fosse só um minúsculo grão de areia,/para uma extensão de conhecimento existente./Somos parecidos a uma pétala de ‘mosquitinho flor’,/perdido na atmosfera imensa!”. Eis os versos do poema “Conhecer”, no qual Adaildes Alves Moreira docemente destaca o valor da humildade intelectual.
Com humildade intelectual, adquirimos a capacidade de indagar sobre o que ignoramos. Agindo assim, não caímos na tentação da arrogância. Não sabemos de tudo, nem somos os únicos que sabemos acerca do que se passa em matéria de conhecimento. Devemos reconhecer também o conhecimento do outro sobre matéria que ignoramos saber. Cabe também destacar a riqueza do aprendizado mútuo, situação em que o eu e o outro poderão saber muito juntos. É preciso humildade intelectual para reconhecer que nunca se saberá tudo o que pode ser sabido. Ter dúvida é nutriente indispensável para o desejo de se conhecer mais e melhor. Não tê-las é sinal de prepotência, é compactuar com o vício de se construir convicções, ignorando, assim, o prudente princípio da relativização. Duvidar é problematizar, isto é, desenvolver perguntas elaboradas para melhor dar conta da complexidade do real, compreendendo melhor seu jogo de luz e sombra.
Destacada pela poeta Adaildes Moreira, a humildade intelectual oferece à construção do conhecimento dois fundamentos primordiais, quais sejam: generosidade mental e coerência ética. É de suma importância compartilhar nossa inteligência em prol do desenvolvimento compartilhado coletivamente. Faz-se necessário, para tanto, cultivar a empatia, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de viver o seu sofrimento ou a sua alegria. Esta prática corrige a tendência de querer sempre ser ouvido e compreendido para priorizar a riqueza de ouvir e compreender. Insere-se, neste pilar supremo, a mais nobre tarefa educacional: promover a ética da diversidade e da não-separatividade. Isso requer compreensão solidária: para além do propósito da tolerância, acolher autenticamente a diferença. Olabiyi Babalola Yai expressa muito bem esse propósito:
“Ao invés de ser um cadinho de onde sairia uma cultura nacional às custas de perdas, de assimilação, de intolerância e de menosprezos gratuitos, o Brasil poderia dar ao mundo o exemplo de um pluralismo cultural em que os homens são mais eles mesmos quando vivem plenamente suas culturas próprias e são consequentemente capazes de melhor conhecer e de viver as dos outros”. Bela demonstração de generosidade mental que demanda coerência ética em matéria de realização. Praticar o que se ensina, portanto, é uma virtude necessária para a excelência na propagação do conhecimento exemplar. Convém também dividir os nossos dilemas a fim de aperfeiçoar o encontro com a consciência de qualidade. Pode-se afirmar que a humildade intelectual, a generosidade mental e coerência ética apresentam como nobre finalidade viabilizar a educação em seus quatro pilares, conforme sugere Jacques Delors: "aprender a conhecer", "aprender a fazer", "aprender a conviver" e "aprender a ser". De forma fragmentada, os dois primeiros pilares têm sido contemplados pela educação convencional. Os dois últimos, a arte de educar para conviver e para ser, representam o mais tremendo desafio e a mais encantadora aventura.
Harmonizar o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição para objetivos epistemológicos elevados e edificantes exige uma educação sensível da interioridade. Assim, estaremos introduzindo, no terreno educacional, o conhecido e sábio provérbio, tão caro aos antigos gregos: “Conheça-te a ti mesmo”, sendo este temperado pela humildade intelectual sintetizada, com maestria, por Sócrates: “Só sei que nada sei”. A citada poesia de Adaildes Alves Moreira retoma a sabedoria socrática, expressando o talento individual de destacar o conhecimento como a verdade falada pela boca dos pequenos.
O objetivo desta educação perene é o despertar para o caminho evolutivo propiciando que, através de uma via interior, o aprendiz possa seguir rumo à autorrealização, abrindo espaço do ego para o Ser. Para agir dessa forma, o indivíduo precisa ir ao encontro de sua palavra original, de sua trilha de individuação, na direção de uma plenitude possível. Nesse sentido, elucidativos são os versos do poeta e professor Antônio Cláudio de Araújo Jr: “Da próxima vez que me retribuírem com palmas,/jogo fora o ‘p’ e vou buscar o resto da palavra./Algumas palavras ficam maiores quando se tira uma letra”. A autoestima, assim, é enaltecida, enquanto a vaidade é criticada radicalmente, já que se trata de uma atitude egocêntrica e artificial. Assim, como uma planta que cresce por si mesma, o sujeito poderá florescer, oferecendo ao mundo um testemunho vivo de existência criativa e plena.
Uma das dimensões praticamente excluídas pela modernidade foi justamente a sacralidade do ser humano; na defesa dos valores ilustrados, da ciência, valorizamos em demasia nossas certezas em relação ao homem e à natureza, e excluímos de nossas preocupações não só as incertezas mas também o mistério que nos envolve. Essa procura do Sagrado como a Fonte existente dentro de cada um de nós significa buscar a identidade do ser humano pelo autoconhecimento, que se traduz no encontro com a verdade, a beleza, a gratidão, a esperança, o amor e a fé. Para transformar o mundo, é condição sine qua non compreender a si mesmo e querer se transformar.
* Professor das Faculdades Fortium e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
HUMILDADE, GENEROSIDADE E COERÊNCIA
Marcos Fabrício Lopes da Silva*
“Quanto mais conhecemos,/percebemos a distância e a complexidade do saber,/é como se o que aprendemos fosse só um minúsculo grão de areia,/para uma extensão de conhecimento existente./Somos parecidos a uma pétala de ‘mosquitinho flor’,/perdido na atmosfera imensa!”. Eis os versos do poema “Conhecer”, no qual Adaildes Alves Moreira docemente destaca o valor da humildade intelectual.
Com humildade intelectual, adquirimos a capacidade de indagar sobre o que ignoramos. Agindo assim, não caímos na tentação da arrogância. Não sabemos de tudo, nem somos os únicos que sabemos acerca do que se passa em matéria de conhecimento. Devemos reconhecer também o conhecimento do outro sobre matéria que ignoramos saber. Cabe também destacar a riqueza do aprendizado mútuo, situação em que o eu e o outro poderão saber muito juntos. É preciso humildade intelectual para reconhecer que nunca se saberá tudo o que pode ser sabido. Ter dúvida é nutriente indispensável para o desejo de se conhecer mais e melhor. Não tê-las é sinal de prepotência, é compactuar com o vício de se construir convicções, ignorando, assim, o prudente princípio da relativização. Duvidar é problematizar, isto é, desenvolver perguntas elaboradas para melhor dar conta da complexidade do real, compreendendo melhor seu jogo de luz e sombra.
Destacada pela poeta Adaildes Moreira, a humildade intelectual oferece à construção do conhecimento dois fundamentos primordiais, quais sejam: generosidade mental e coerência ética. É de suma importância compartilhar nossa inteligência em prol do desenvolvimento compartilhado coletivamente. Faz-se necessário, para tanto, cultivar a empatia, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de viver o seu sofrimento ou a sua alegria. Esta prática corrige a tendência de querer sempre ser ouvido e compreendido para priorizar a riqueza de ouvir e compreender. Insere-se, neste pilar supremo, a mais nobre tarefa educacional: promover a ética da diversidade e da não-separatividade. Isso requer compreensão solidária: para além do propósito da tolerância, acolher autenticamente a diferença. Olabiyi Babalola Yai expressa muito bem esse propósito:
“Ao invés de ser um cadinho de onde sairia uma cultura nacional às custas de perdas, de assimilação, de intolerância e de menosprezos gratuitos, o Brasil poderia dar ao mundo o exemplo de um pluralismo cultural em que os homens são mais eles mesmos quando vivem plenamente suas culturas próprias e são consequentemente capazes de melhor conhecer e de viver as dos outros”. Bela demonstração de generosidade mental que demanda coerência ética em matéria de realização. Praticar o que se ensina, portanto, é uma virtude necessária para a excelência na propagação do conhecimento exemplar. Convém também dividir os nossos dilemas a fim de aperfeiçoar o encontro com a consciência de qualidade. Pode-se afirmar que a humildade intelectual, a generosidade mental e coerência ética apresentam como nobre finalidade viabilizar a educação em seus quatro pilares, conforme sugere Jacques Delors: "aprender a conhecer", "aprender a fazer", "aprender a conviver" e "aprender a ser". De forma fragmentada, os dois primeiros pilares têm sido contemplados pela educação convencional. Os dois últimos, a arte de educar para conviver e para ser, representam o mais tremendo desafio e a mais encantadora aventura.
Harmonizar o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição para objetivos epistemológicos elevados e edificantes exige uma educação sensível da interioridade. Assim, estaremos introduzindo, no terreno educacional, o conhecido e sábio provérbio, tão caro aos antigos gregos: “Conheça-te a ti mesmo”, sendo este temperado pela humildade intelectual sintetizada, com maestria, por Sócrates: “Só sei que nada sei”. A citada poesia de Adaildes Alves Moreira retoma a sabedoria socrática, expressando o talento individual de destacar o conhecimento como a verdade falada pela boca dos pequenos.
O objetivo desta educação perene é o despertar para o caminho evolutivo propiciando que, através de uma via interior, o aprendiz possa seguir rumo à autorrealização, abrindo espaço do ego para o Ser. Para agir dessa forma, o indivíduo precisa ir ao encontro de sua palavra original, de sua trilha de individuação, na direção de uma plenitude possível. Nesse sentido, elucidativos são os versos do poeta e professor Antônio Cláudio de Araújo Jr: “Da próxima vez que me retribuírem com palmas,/jogo fora o ‘p’ e vou buscar o resto da palavra./Algumas palavras ficam maiores quando se tira uma letra”. A autoestima, assim, é enaltecida, enquanto a vaidade é criticada radicalmente, já que se trata de uma atitude egocêntrica e artificial. Assim, como uma planta que cresce por si mesma, o sujeito poderá florescer, oferecendo ao mundo um testemunho vivo de existência criativa e plena.
Uma das dimensões praticamente excluídas pela modernidade foi justamente a sacralidade do ser humano; na defesa dos valores ilustrados, da ciência, valorizamos em demasia nossas certezas em relação ao homem e à natureza, e excluímos de nossas preocupações não só as incertezas mas também o mistério que nos envolve. Essa procura do Sagrado como a Fonte existente dentro de cada um de nós significa buscar a identidade do ser humano pelo autoconhecimento, que se traduz no encontro com a verdade, a beleza, a gratidão, a esperança, o amor e a fé. Para transformar o mundo, é condição sine qua non compreender a si mesmo e querer se transformar.
* Professor das Faculdades Fortium e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.